A OpenAI acabou de descobrir por que IAs alucinam? Causas, riscos e soluções práticas
- Pedro dos Santos
- 10 de set.
- 7 min de leitura

Introdução: o que chamamos de “alucinação”
Se você já usou ChatGPT, Claude ou Gemini, provavelmente encontrou uma resposta convincente mas incorreta. Esse fenómeno é hoje conhecido por “alucinação”. O termo é metafórico, visto que as máquinas não têm consciência, mas descreve com precisão um problema crítico: respostas inventadas, sem base factual verificável. As alucinações minam a confiança em sistemas de IA e tornam imprescindível implementar salvaguardas, sobretudo em setores sensíveis como saúde, direito ou finanças.
De forma simples, alucinação é qualquer saída produzida por um modelo de linguagem que é:
Incorreta factualmente: apresenta dados falsos como se fossem verdadeiros.
Inventada: cria referências, citações ou nomes inexistentes.
Não fundamentada: adiciona informação não presente na fonte ou na pergunta original.
Exemplo prático: pedir a um chatbot um resumo de um artigo científico e receber citações inventadas de revistas inexistentes. Outro caso recente ocorreu em tribunais norte-americanos: advogados usaram ChatGPT para escrever petições que incluíam jurisprudência fictícia, o que resultou em processos disciplinares.
Nos últimos anos, investigação acadêmica e relatórios das grandes empresas (OpenAI, Anthropic, Google) sistematizaram causas e estratégias de mitigação. Por isso, entender a origem das alucinações é agora tanto um projeto científico como um desafio prático para empresas que querem integrar IA de forma responsável.
Quem “descobriu” o porquê das alucinações e por que o tema está em alta agora?
A explicação para as “alucinações” das IAs não resulta de uma única descoberta isolada: é antes o produto de uma linha de investigação académica seguida por análises e relatórios das grandes empresas de IA. Pesquisadores em universidades e em centros de investigação públicos foram os primeiros a caracterizar e medir o fenómeno, por exemplo, trabalhos acadêmicos como "On Faithfulness and Factuality in Abstractive Summarization" (Maynez et al.) e o benchmark TruthfulQA (Lin et al.) demonstraram, já no início da década, que os modelos de geração tendem a produzir informação não-fiel ao texto de treino ou a reproduzir crenças falsas humanas. Essas contribuições académicas explicaram os mecanismos básicos (objetivo de treino, problemas de factualidade na sumarização, replicação de vieses nos dados) e criaram as primeiras métricas para avaliar o problema.
A seguir, as grandes empresas de IA, como a OpenAI, trouxeram investigação aplicada e relatórios que traduzem esses achados para produtos e políticas. Estas organizações passaram a publicar avaliações internas, notas técnicas e comparações de segurança que apontam para causas práticas das alucinações (por exemplo, incentivos de treino como RLHF que punem respostas evasivas) e descrevem estratégias de mitigação. Além disso, exercícios de avaliação conjuntas entre empresas mostraram diferenças de comportamento entre modelos (alguns preferem recusar respostas; outros preferem arriscar), o que reforça a necessidade de métricas e práticas padronizadas.
Por que o tema explodiu em interesse público e regulatório agora?
Há pelo menos três motivos concretos. Primeiro, a adoção massiva de chatbots desde 2022–2023 colocou dezenas de milhões de utilizadores em contato direto com LLMs, tornando as falhas visíveis no dia a dia. Segundo, surgiram casos de impacto real, por exemplo, incidentes em que textos jurídicos ou relatórios profissionais continham referências fabricadas, e investigações jornalísticas mostrando taxas relevantes de hallucination em testes com modelos recentes, o que gerou preocupação pública sobre segurança e confiabilidade. Terceiro, a pressão regulatória (nomeadamente a Lei Europeia da IA e orientações relacionadas) colocou a questão no centro das exigências de conformidade para sistemas de alto risco.
Por fim, a investigação recente (incluindo estudos empíricos e benchmarks novos) continua a mapear causas e a testar mitigadores, o que alimenta tanto a literacia técnica como as recomendações práticas para empresas. Em suma: foram os acadêmicos que delinearam o problema e criaram métricas, e depois as empresas e a imprensa, impulsionadas por incidentes reais e por pressão regulatória, que tornaram o tema amplamente discutido e urgente.
Tipos de alucinação (práticos)
Fato fabricado: afirmação de fatos falsos (datas, estatísticas, nomes).
Citação inventada: referências a artigos, livros ou autores que não existem.
Hallucination de contexto: sumarização que acrescenta info não presente no documento original.
Soluções plausíveis mas incorretas: p.ex., resolver um problema técnico com passos aparentemente válidos que levam a erro.
Cada tipo exige estratégias de mitigação distintas.
Por que uma ia alucina? (uma explicação técnica acessível)
A resposta não é única: é uma combinação de fatores técnicos, estatísticos e sociais. Vamos por partes.
1. O objetivo do treino: prever a próxima palavra
Os LLMs (Large Language Models) são treinados para prever a palavra seguinte numa sequência de texto, com base em padrões estatísticos.
Isso significa que o modelo não tem noção de “verdade”, apenas do que parece plausível. Se durante o treino viu milhares de exemplos em que, após “Einstein publicou…”, aparecia “a teoria da relatividade”, ele aprende essa associação. Mas se for perguntado sobre um tema obscuro para o qual não tem dados claros, pode inventar uma resposta que “soe” coerente.
2. Incentivos contra o “não sei”
Outro ponto crítico é que modelos são raramente recompensados por admitir ignorância.
Durante o ajuste com feedback humano (RLHF), respostas como “não sei” são frequentemente vistas como insatisfatórias. Logo, os modelos aprendem que é “melhor arriscar” do que admitir incerteza.
Isso cria uma espécie de viés estrutural: é preferível “alucinar” do que frustrar o utilizador.
3. Memória paramétrica vs. fontes externas
Modelos armazenam conhecimento nos seus parâmetros internos. É como uma memória compressa de padrões do texto de treino. O problema é que:
Essa memória é finita e pode estar desatualizada.
Não há garantia de fidelidade à fonte original.
Sem ligação a fontes externas (documentos, bases de dados, motores de busca), o modelo responde com base naquilo que “acha” correto, o que frequentemente gera alucinações.
4. Dados de treino imperfeitos
Os LLMs aprendem a partir de grandes quantidades de texto retiradas da internet. Mas a internet está repleta de erros, vieses e desinformação.
Portanto, mesmo quando o modelo não inventa do zero, ele pode replicar falsas crenças humanas, o que foi comprovado no benchmark TruthfulQA (Lin et al.), que mostra como os modelos frequentemente ecoam informações falsas comuns.
5. O papel da decodificação
Mesmo que o modelo tivesse uma resposta correta armazenada, o processo de geração de texto pode alterar o resultado.
Parâmetros como temperature e top-k sampling determinam o grau de aleatoriedade na escolha de palavras.
Configurações mais criativas = maior risco de alucinação.
Configurações conservadoras = mais repetição, mas menos erros factuais.
6. Pressões comerciais e design de produto
Por fim, há um fator humano: empresas de IA preferem lançar produtos que parecem “inteligentes”, mesmo que corram risco de alucinar. Chatbots que respondem com segurança e fluidez vendem mais, mas também aumentam o risco de induzir o utilizador em erro.
Evidências científicas recentes
Nos últimos anos, várias pesquisas de peso aprofundaram o tema:
TruthfulQA (Lin et al., 2022): mostrou que modelos imitam falsas crenças humanas.
Maynez et al. (2020): identificaram dois tipos de alucinação em sumarização: Intrínseca (distorção do conteúdo original) e Extrínseca (adição de informação não presente)
Anthropic (2025): destacou que os modelos “preferem adivinhar” porque o treino penaliza respostas evasivas.
OpenAI (2025): publicou relatórios explicando que métricas de avaliação tradicionais incentivam outputs inventados e que soluções exigem mudar a forma de medir a performance.
Mitigações e boas práticas tecnológicas
Nenhuma técnica elimina totalmente as alucinações, mas é possível reduzir riscos de forma significativa:
Grounding / Retrieval-Augmented Generation (RAG): consultar fontes externas (bases de dados, web indexado, documentos da empresa) e citar essas fontes. Isso melhora verificabilidade e permite atualização em tempo real.
Detectores de hallucination e pipelines de verificação: usar modelos avaliadores ou regras que sinalizem alegações factuais para verificação automática (QA sobre a fonte, checagem cruzada). Pesquisas mostram métodos automáticos promissores para detecção.
Treino com objetivos que valorizem abstinência: reestruturar avaliações e recompensas para que modelos sejam recompensados por admitir incerteza quando adequado, em vez de adivinhar sempre. Relatórios recentes defendem mudanças nas métricas de treino.
Prompt design e instruções explícitas: instruções que exijam citações, fontes ou que limitem a criatividade podem reduzir erros em tarefas factuais, embora não sejam uma solução definitiva.
Revisão humana em loop: em contextos sensíveis, outputs do modelo devem ser validados por especialistas antes de uso. Isto é uma salvaguarda essencial em aplicações legais, médicas ou financeiras.
Transparência e rastreabilidade: registar quais fontes foram consultadas, versões de modelos e prompt usados, para auditoria posterior. Práticas de governança e logs ajudam a gerir responsabilidade.
Limites das soluções e dilemas
Trade-off entre criatividade e precisão: modelos optimizados para criatividade (marketing, copywriting) tendem a ser menos cautelosos com factos. Em aplicações informativas, prioridade deve ser a precisão, mesmo que a produção se torne menos “fluida”.
Vulnerabilidades em grounding: quando se liga o modelo a fontes externas, surgem riscos de prompt injection e de ingestão de conteúdos maliciosos ou errados. Controlo de fontes e filtragem são essenciais.
Avaliação continua: um modelo bom hoje pode degradar amanhã se os dados mudarem, sistemas que dependem de conhecimento atual exigem pipelines de atualização e validação constantes.
Recomendações práticas para empresas que implementam chatbots
Classifique o risco: identifique áreas de alto impacto (saúde, jurídico) e aplique revisão humana e fontes confiáveis.
Implemente RAG com fontes curadas: conecte o modelo a bases internas validadas e exija citações.
Monitore e alimente um detector de alucinações: combine métodos automáticos com auditoria humana.
Treine política de “admitir incerteza”: configure o sistema para responder “não sei” sempre que for necessário e preferível.
Documente e mantenha registro dos logs: mantenha rastreio de versões, prompts, fontes e correções para auditoria.
Conclusão
As “alucinações” das IAs não são um bug místico, mas sim uma consequência previsível do modo como os modelos são treinados, avaliados e utilizados. Compreender as causas, desde o objetivo de prever a próxima palavra até às métricas que penalizam a abstinência, permite desenhar estratégias técnicas e operacionais para reduzir o problema. Ainda assim, a eliminação completa é improvável; o objetivo prático é tornar o comportamento previsível, detectável e seguro para o domínio de aplicação.
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